domingo, 29 de novembro de 2009

Em busca da fantasia perdida: a saga - Parte II


A primeira coisa que eu queria procurar era o chapéu, então ativei o radar para o modo “chapéu” e lá fui eu andando de um lado da rua procurando lojas que pudessem ter o acessório. Entrei na primeira e perguntei para um vendedor. Ele me levou até a parte da loja onde tinha vários modelos, desde o boné até as boinas, mas nada do modelo que eu queria.
Agradeci e fui sair de volta à rua. Bastou eu botar o pé para fora da loja e BAM! Trombei com algum transeunte que passava apressadamente pela calçada. Foi quando percebi que bastou eu passar um único minuto dentro de uma loja para todas as pessoas finalmente chegarem e começar o típico inferninho de sábado de manhã na Rua Grande.
Respirei fundo e lembrei a mim mesma que eu já estava preparada psicologicamente para isso, e emendei o passo. Loja aqui, loja acolá. Lojas do lado direito, lojas do lado esquerdo. “Moço, tem chapéu preto ou cinza escuro?”. “Tem de palha”. “Não, obrigada.” Sorrisinho simpático.
E assim foi. Toda loja que eu entrava e perguntava por chapéu, me mostravam um de palha, estilo panamá. Até que comecei a adaptar minha forma de abordagem. Comecei com a simples “tem chapéu preto ou cinza escuro?”, e passei para “tem chapéu escuro de tecido ou napa?”, depois fui para “tem chapéu escuro de tecido ou napa ou camurça daquele modelo clássico?”, e em seguida para “tem chapéu escuro de tecido, napa ou camurça, daquele modelo clássico estilo década de 20 ou 30?”. Até que por fim fiquei com o prático “tem chapéu tipo de gângster?”.
O problema é que invariavelmente TODAS AS VEZES o(a) vendedor(a) me oferecia o bendito chapéu de palha estilo panamá. Alguns ainda me mostravam um preto, mas quando não, era o bege mesmo. E tentavam me empurrar a qualquer custo dizendo “vai ficar legal esse”. Àquela altura eu já estava irritada com a incapacidade dos vendedores entenderem que eu queria ir fantasiada de gângster, e não de malandro ou dançarino de gafieira tipo Carlinhos de Jesus.
Mas desisti de vez do chapéu quando entrei numa loja, fiz a mesma pergunta que já tinha repetido tantas vezes e lá foi mais uma vez o vendedor me oferecer o tal chapéu de palha, estilo panamá, bege. Mais uma vez dei um sorrisinho amarelo e disse:
-Não, não é assim, obrigada.
Ao que ele me responde:
-Leva esse e pinta de preto com spray.
Levantei a vista do chapéu para olhar para o vendedor e procurar um traço de brincadeira no rosto dele. Mas ele estava falando sério. Por um momento pensei que ele já ia me indicar a loja onde eu poderia comprar o tal spray, e antes que isso acontecesse e eu mandasse ele tomar onde as patas tomam, devolvi o chapéu para ele e saí pisando duro da loja.
Depois dessa, resolvi mudar o radar para o modo “arma”. Calma, calma. Era a arma de brinquedo, que seria o próximo item dos acessórios. Eu ainda não estava com instintos homicidas (ainda!). E lá fui eu atrás de lojas de brinquedo em busca da arma que eu tinha em mente. Tal qual nos filmes que retratavam a época típica dos gângsters (década de 20 e 30) a minha ideia era de uma metralhadora daquelas antigas, não muito grande, com o tambor redondo grande. Era essa a arma que eu via em todas as fotos de fantasias de gângster, e eu queria uma igual.
Mas durante a minha busca percebi que seria mais difícil do que a odisseia do chapéu. Por quê? Por que eu sou lerda e tinha me esquecido que o Estatuto do Desarmamento proibiu a fabricação e comercialização de brinquedos que simulem armas de fogo ou que possam se confundir com elas (art. 26 da Lei nº 10.826/03). Bela bacharela em Direito que eu sou, hein?
Ou seja, brincadeira de polícia e ladrão hoje em dia voltou para época em que a gente usava os dedos indicador e polegar para simular as armas. Todo e qualquer brinquedo que simule arma de fogo saiu de circulação. Quer dizer, nem todos. Ainda são permitidas aquelas pistolinhas coloridas de água, tipo verde cana, amarelo canário e laranja fluorescente. A justificativa é que essas coisas não se confundem nem de longe com uma arma de verdade. Nem de longe mesmo!
Mas, antes que eu me lembrasse disso, ainda caí na besteira de entrar em uma loja de brinquedos e perguntar na maior inocência para o vendedor (depois de percorrer todos os corredores procurando a sessão certa) se eles tinham a tal metralhadora ou pelo menos um revolver, uma pistolinha, ou algo assim.
A reação dele foi esdrúxula. Arregalou o olho para mim e começou a me dar um sermão:
-Arma de brinquedo?! Você quer incentivar a violência colocando nas mãos de uma criança uma coisa dessas?? Por que você não pensa num presente mais saudável como um carrinho, uma bola...
Ainda meio atordoada com a reação interrompi a hemorragia verbal dele e disse:
-Calma, moço! Não é pra dar pra nenhuma criança, não. É pra mim mesma.
Acho que foi até pior, porque ele me olhou de um jeito como quem desconfia que eu estivesse planejando algo sinistro. E tive que emendar:
-É pra compor uma fantasia pra uma festa que eu vou. Vou fantasiada de gângster. E toda gângster que se preze tem que ter uma arma, né? – sorrisinho amarelo envergonhado.
Onde diabos estava a minha altivez? Eu tendo que me explicar para o vendedor quando a gente poderia se entender apenas com um simples “tem arma de brinquedo?”, “não, senhorita. Não temos”, “Ok, obrigada”. Mas não. Lá estava eu com medo que o vendedor pensasse que eu era alguma incentivadora da violência urbana e queria montar meu exército de pequenos disseminadores de balbúrdia. Ou então eu mesma ser um ícone de rebeldia violenta.
A minha humildade e preocupação acabou no instante em que ele resolveu se meter na minha escolha de fantasia:
-Por que em vez de ir de gângster você não vai de fada? Você ia ficar linda vestida de fadinha. – sorrisinho sedutor me olhando de cima a baixo.
Coméquié?! Sorrisinho sedutor?! Quer dizer que primeiro ele me dá sermão por achar que eu sou a favor da violência, e agora ele insinua uma paquera comigo? Respondi mentalmente para ele “Não vou de fadinha porque não quero encontrar sua mãe, sua irmã, sua tia e sua avó, além de mais 3456 pessoas vestidas com a mesma fantasia que eu na festa! E antes que eu me esqueça... vá se f**!!”.
Mas na prática consegui responder usando toda a minha capacidade de elevação espiritual e paciência com um simples “não, obrigada” dito entre os dentes cerrados. E mais uma vez saí pisando duro. Quase marchando. E naquela hora eu quis mesmo ter uma arma, nem que fosse de brinquedo, para pelo menos jogar na cabeça do infeliz, e rachá-la ao meio.
Quando voltei para o meio da confusão que era a rua, bateu o desespero. A manhã já tinha ido quase toda embora, o sol estava rachando, eu estava com fome, com sede e sem nenhum item da minha lista comprado. Vaguei um pouco pela rua sem saber o que fazer, com a imagem na minha mente da minha fantasia com asinhas voando para longe e me dando tchau. Até que avistei uma loja de cosméticos com uma promoção de esmaltes.
Adoooooro esmaltes! E lá fui eu toda saltitante atravessar a rua em direção à loja para salvar o dia. Pelo menos com um esmalte novo eu voltava para casa, pensei. Não seria uma manhã completamente perdida, afinal.
Escolhi dois para levar e testei um deles (pink) em uma das minhas unhas para ver se era a tonalidade que eu queria. Saí com o espírito levemente mais alegre da loja, e de volta ao calor de uns 56° que estava fazendo lá fora. Limpa suor na testa para cá, limpa suor da testa para lá. Pela primeira vez cogitei a possibilidade de comprar aqueles lencinhos de tecido que vem numa embalagem com três e que minha mãe sempre comprava para dar de presente no amigo-invisível de fim de ano do trabalho dela, caso ela tirasse um homem. Eu achava um presente tão sem graça, mas naquele momento vi que poderia ser muito útil. Vivendo e aprendendo.
Mas nenhum lencinho à vista. E nem lugar para comprar água. Eis que minha salvação veio através do chamado “Olha o cremosinhoooo!!”. Graças a Deus! Lá estava parada do outro lado da rua uma moça com um isopor pendurado no pescoço vendendo cremosinho (para quem não conhece, uma espécie de iogurte congelado que vem num saquinho).
Cheguei até a vendedora e pedi o meu preferido, leite condensado. Quando puxei a moeda da bolsa para pagar, percebi ela me olhando com um certo constrangimento, tentando disfarçar um riso. Até que ela gentilmente me informou que eu estava com o rosto sujo de esmalte pink. Isso que dá experimentar esmalte, não esperar secar e limpar o suor da testa com as mãos. A minha sorte é que eu tinha comprado também um vidrinho de acetona e pude limpar logo. Agradeci, peguei meu cremosinho e lá fui eu para a última parte da minha busca do dia. A loja de tecidos era minha última parada.
Andei, andei, andei e nada de chegar até a loja de tecidos. Eu sabia que ficava na outra ponta da rua, mas não lembrava de ser tão longe assim. Já estava quase chorando de tanta frustração quando... BAAAMMM!
Outra trombada, dessa vez com um policial que estava fazendo a ronda. Ele nem tomou conhecimento que esbarrou em alguma coisa, mas eu sim. Definitivamente tive consciência da trombada quando senti meu ombro latejando e vi meu cremosinho (quase na metade ainda) no chão.
Segurei o ímpeto de sentar no chão ao lado do meu finado cremosinho, abraçar as pernas junto ao peito e chorar pelo seu desperdício. E chorar pelo chapéu que não encontrei. E pela arma de brinquedo que nunca encontraria. E pela loja de tecidos que não chegava nunca.
Mas eu estava no meio da Rua Grande, e sentar no chão ali, além de anti-higiênico, seria colocar minha integridade física em risco. Por que o máximo que eu conseguiria era 45 pessoas passando por cima de mim, caindo por cima de mim e topando em mim. Dei uma última olhada para o meu tão refrescante cremosinho caído no chão, olhei para o horizonte sabendo que em algum lugar lá ao longe estava a loja de tecidos e dei as costas voltando pelo caminho por onde vim, em direção ao carro.
De volta para casa. Sem chapéu. Sem metralhadora ou sequer um revolverzinho. Sem o tecido para a roupa. Sem cremosinho. Sem esperança.
Mas com dois esmaltes novos.

(continua...)

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